Últimos dias para conferir de perto a exposição Línguas Africanas que fazem o Brasil, do Museu Vale em parceria com o Museu da Língua Portuguesa
A mostra está em cartaz no Palácio Anchieta e convida o público refletir sobre influência africana por meio de instalações interativas, esculturas, pinturas, filmes e registros históricos
O público tem até 14 de dezembro para conferir a mostra “Línguas africanas que fazem o Brasil”, em cartaz no Palácio Anchieta, em Vitória, com entrada gratuita. Apresentada pelo Museu Vale, em parceria com o Museu da Língua Portuguesa, a exposição convida à reflexão sobre a influência africana na cultura brasileira por meio de instalações interativas, esculturas, pinturas, filmes e registros históricos.
Com curadoria do músico e filósofo Tiganá Santana, a itinerância da mostra reúne obras de Castiel Vitorino Brasileiro, Natan Dias e Jaíne Muniz, artistas capixabas, além de peças que dialogam com a herança africana presente na língua, na música, na arquitetura e nas tradições populares. Entre os destaques estão estruturas ovais com palavras de origem africana, videoinstalações, obras de artistas como J. Cunha, Rebeca Carapiá e Aline Mota, além de elementos simbólicos como búzios e adinkras.
Segundo a diretora do Museu Vale, Claudia Afonso, a mostra convida o público a redescobrir a história presente em cada palavra, gesto e som. “Trazer esta exposição ao Espírito Santo é permitir que cada capixaba perceba a força das raízes africanas que moldam nossa cultura e nosso cotidiano, tornando visível o que muitas vezes passa despercebido. Essa mostra revela a pluralidade de vozes, símbolos e histórias que compõem o Brasil, lembrando que nossa identidade é um legado vivo das culturas africanas", explica.
A visitação acontece de terça a sexta-feira, das 8h às 18h, e aos sábados, domingos e feriados, das 9h às 16h. O espaço oferece recursos de acessibilidade, como audiodescrição, Libras e acessibilidade motora. Escolas podem agendar visitas educativas pelos telefones (27) 3636-1031 e (27) 3636-1032 ou pelo e-mail educativo.mv@institutoculturalvale.org.
“Línguas africanas que fazem o Brasil” é uma iniciativa do Instituto Cultural Vale e do Museu Vale, com concepção do Museu da Língua Portuguesa, instituição da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo do Estado de São Paulo; patrocínio da Vale; apoio do Governo do Estado do Espírito Santo, por meio da Secretaria de Cultura; e realização do Ministério da Cultura, via Lei de Incentivo à Cultura.
Versão capixaba da exposição
A mostra aborda a permanência das heranças da África Subsaariana na linguagem e na cultura brasileiras. Idiomas como iorubá, eve-fon e línguas do grupo bantu foram fundamentais para moldar o português brasileiro, influenciando desde palavras do cotidiano até modos de entoação, ainda que muitos falantes desconheçam essa origem.
A exposição apresenta ao público 15 palavras de origem africana, dispostas em estruturas ovais de madeira suspensas pela sala. Entre os exemplos estão xingar, marimbondo, dendê, canjica, minhoca e caçula.
Nesta edição realizada no Espírito Santo pelo Museu Vale, o olhar também se volta ao território capixaba, com a participação de Castiel Vitorino Brasileiro, Natan Dias e Jaíne Muniz, artistas capixabas. A articulação das narrativas, aliada ao diálogo com educadores, comunidades e paisagens locais, reforça a identidade enraizada no Espírito Santo.
Castiel Vitorino Brasileiro é artista plástica, escritora e psicóloga clínica. Em sua prática multidisciplinar, estuda o mistério entre vida e morte, a chamada Transmutação, e as formas de se locomover entre essas zonas existenciais. Natan Dias é artista multidisciplinar e pesquisa o movimento de confluência dos materiais e suas tecnologias, além do deslocamento da memória no espaço-tempo. Essa investigação se materializa em escultura, serigrafia e arte digital. Já Jaíne Muniz é artista visual e pesquisadora. Em seu trabalho, constrói narrativas abstratas com elementos da terra, buscando uma reformulação da existência humana preta e dissidente de gênero.
A exposição conta ainda com a participação especial de Rick Rodrigues, que bordou as palavras do glossário apresentado ao público. Rodrigues é artista plástico e mestre em artes, com produção que inclui séries de desenhos, gravuras, bordados, objetos e instalações.
Entre as atrações do espaço está a obra do artista plástico baiano J. Cunha: um tecido estampado com a inscrição “Civilizações Bantu”, que vestiu o Ilê Aiyê, primeiro bloco afro do Brasil, no Carnaval de 1996. O ambiente conta ainda com cerca de 20 mil búzios suspensos e distribuídos pelo local. Na tradição afro-brasileira, essas conchas são associadas a práticas divinatórias e funcionam como linguagem de conexão entre o mundo físico e o espiritual.
O visitante também se depara com adinkras espalhados pelas paredes. Esses símbolos, usados como sistema de escrita pelo povo Ashanti — presente em países como Gana, Togo e Costa do Marfim — condensam elementos culturais e provérbios em um único ideograma. Parte da herança da diáspora africana, os adinkras também aparecem em gradis de casas e em detalhes arquitetônicos no Brasil, onde vários de seus mais de 80 símbolos são reconhecidos.
A mostra reúne duas videoinstalações da artista visual fluminense Aline Motta. Em Corpo Celeste III, criada em parceria com o historiador Rafael Galante e emprestada pela Pinacoteca de São Paulo, projetada em grande escala no chão, a artista evidencia antigas formas de grafias centro-africanas, especialmente as do povo bakongo, presente em territórios como Angola. Já Corpo Celeste V, criada especialmente para o Museu da Língua Portuguesa, apresenta quatro provérbios em quicongo, umbundo, iorubá e quimbundo, traduzidos para o português e projetados em movimento nas paredes.
A baiana Rebeca Carapiá, considerada um dos destaques da nova geração da escultura no Brasil, apresenta obras desenvolvidas a partir de metais, em composições que dialogam com grafias e frequências de matriz afrocentrada.
A mostra evidencia ainda como o encontro entre línguas africanas e o português deu origem a canções populares brasileiras, como Escravos de Jó e Abre a roda, tindolelê. No caso de Escravos de Jó, por exemplo, a palavra “jó” vem das línguas quimbundo e umbundo, significando “casa” — ou “escravos de casa”.
Além dos búzios, a exposição investiga outras formas de expressão não verbal originárias das culturas africanas e da diáspora afro-brasileira. Entre elas estão os cabelos trançados, que durante a escravidão funcionaram como mapas para rotas de fuga, e os turbantes, cujas diversas amarrações indicam a posição hierárquica no candomblé. O espaço também apresenta dois trabalhos da designer Goya Lopes, inspirados nas capulanas, os tecidos coloridos usados por mulheres em Moçambique, que guardam conexão significativa com a língua iorubá.
Os tambores também aparecem como forma de linguagem não verbal, integrando uma cenografia que inclui projeção criada por Aline Motta, com imagens do mar e trechos do texto Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira, de Lélia Gonzalez. Nesses trechos, surge o uso da expressão “pretuguês”, cunhada pela autora. Esculturas de Rebeca Carapiá dialogam com as frequências dos tambores, completando a experiência sensorial.
Em uma sala de cinema interativa, o público é convidado a pronunciar palavras de origem africana, como axé, afoxé, zumbi e acarajé, e é surpreendido por projeções que respondem a essas falas.
Os visitantes também podem conferir registros de manifestações culturais afro-brasileiras e conteúdos sobre línguas africanas e sua presença no português falado no Brasil. Entre os destaques estão performances de Clementina de Jesus, imagens da Missão de Pesquisas Folclóricas idealizada por Mário de Andrade e entrevistas com pesquisadores como Félix Ayoh’Omidire, Margarida Petter e Laura Álvarez López. A programação inclui gravações do bloco Ilú Obá De Min, da Orkestra Rumpilezz e o vídeo Encomendador de Almas, de Eustáquio Neves, que retrata o senhor Crispim, da comunidade quilombola do Ausente, no Vale do Jequitinhonha.
A ambientação sonora reúne canções em iorubá, fom, quimbundo e quicongo, captadas na Bahia pelo linguista norte-americano Lorenzo Dow Turner nos anos 1940 e cedidas pela Universidade de Indiana, nos Estados Unidos. O público também poderá assistir a dois filmes sobre o Quilombo Cafundó: um produzido há mais de 40 anos e outro criado especialmente para a exposição, que aborda de forma aprofundada a língua cupópia.
Serviço
Exposição “Línguas africanas que fazem o Brasil”
Data: Até 14 de dezembro. De terça a sexta das 8h às 18h e sábados, domingos e feriados das 9h às 16h.
Local: Palácio Anchieta, Vitória
Entrada gratuita e classificação livre
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