COLUNA Adriano Lima Neves

Conhecendo melhor Graça Aranha

Por Adriano Lima Neves



Entre as grandes personalidades que nasceram ou que deixaram seus nomes marcados na história de Santa Leopoldina, sem dúvida a que mais merece destaque é José Pereira da Graça Aranha, ou simplesmente Graça Aranha, advogado, magistrado, escritor, professor e diplomata, autor do famoso romance “Canaã”.


Nascido em São Luiz, estado do Maranhão, em 21 de junho de 1868, Graça Aranha pertenceu a uma família nobre, sendo um dos dez filhos do jornalista e comendador Temístocles da Silva Maciel Aranha, falecido em 27 de abril de 1887, que foi por muitos anos o proprietário do jornal “O País”. 


Sua mãe era Maria da Glória da Graça, também de família rica, filha do Barão de Aracaty, José Pereira da Graça, um homem de grande influência na região nordeste, tendo sido Presidente da Província do Ceará em 1835, Vice-Presidente da Província do Maranhão em 1870 e Ministro do Supremo Tribunal de Justiça, em 1876. Foi do avô materno que Graça Aranha herdou o nome. 


Com apenas treze anos de idade Graça Aranha já havia terminado os estudos primário e secundário em São Luiz, e como era comum aos jovens de famílias abastadas daquela época, foi para Pernambuco estudar direito na Faculdade de Direito do Recife, ainda no tempo em que era localizada no Mosteiro de São Bento, em Olinda. 


A ida de jovens de famílias abastadas para a Faculdade de Direito do Recife se dava em função de ser essa a primeira Faculdade de Direito do Brasil, fundada no dia 11 de agosto de 1827, por meio de um Decreto Imperial assinado por Dom Pedro I, e por isso recebia jovens estudantes de todo o Brasil. Inclusive, o nosso conterrâneo Afonso Cláudio de Freitas Rosa, também filho de família abastada da Barra de Mangaraí, lá estudou entre 1878 e 1883, sendo contemporâneo de Graça Aranha por dois anos, entre 1882 e 1883.


Devido à sua pouca idade, a admissão de Graça Aranha para o curso de Direito só foi possível após uma autorização especial, conseguida através do Decreto nº 3043, emitido em 04 de março de 1882, com a providencial interferência da sua respeitada família. Isso lhe proporcionou uma formatura precoce, recebendo o grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais em 26 de novembro de 1886, com apenas dezoito anos. 


Enquanto aluno dessa faculdade, Graça Aranha teve como mestre o filósofo e jurista Tobias Barreto, a quem considerava “o maior dos brasileiros”, pelas fortes influências que exerceu sobre a sua formação, toda baseada nos princípios da chamada “Escola do Recife”. 


Após a formatura, Graça Aranha viajou para a capital do império, o Rio de Janeiro, com o intuito de dar início à sua carreira, que passaria pela advocacia, pelo magistério, pela magistratura e pela diplomacia.


Nessa viagem à capital do império, Graça Aranha se credenciou para iniciar a sua carreira na magistratura, sendo nomeado juiz para a cidade de Guimarães, no Maranhão, em maio de 1887. Em seguida, em janeiro de 1888, foi transferido para a comarca de Mearim, também no Maranhão. E foi no interior do Maranhão que Graça Aranha pôs em prática a sua preocupação com a instrução do povo brasileiro, inaugurando na Vila da Vitória, em 15 de julho de 1888, uma escola de instrução primária para escravos libertos, patrocinada do próprio bolso, com a ajuda dos amigos Emiliano José Rodrigues e Manoel Jansen Ferreira, também magistrados. 


No final do ano de 1888, Graça Aranha novamente saiu do Maranhão e foi para o Rio de Janeiro, desta vez para assumir o cargo de Juiz Municipal na cidade de Campos dos Goytacazes, para onde havia sido nomeado em 20 de novembro de 1888, com apenas 20 anos de idade.


Com o advento da Proclamação da República, em novembro de 1889, e com a posterior implantação de comarcas em todas as cidades mais importantes do Brasil, quis o destino que o jovem Graça Aranha, aos 22 anos, fosse nomeado em agosto de 1890, Juiz Municipal justamente no Porto do Cachoeiro, a nossa atual Santa Leopoldina. E no período em que trabalhou na nossa cidade, Graça Aranha morou em um imóvel que infelizmente não existe mais, pois incendiou-se em 1939, no mesmo local onde foi construído o fórum da cidade, que leva o seu nome.


Nessa época, Santa Leopoldina já havia recebido uma enorme quantidade de imigrantes e possuía uma comunidade alemã significativa, vivendo uma efervescente atividade comercial em função da produção e do transporte fluvial de café para a capital, através do rio Santa Maria da Vitória. Esses imigrantes, principalmente os de origem germânica, exerciam forte influência na cidade, desde a econômica até a cultural. É de fácil constatação o fato de que a formação cultural de grande parte do estado do Espírito Santo foi baseada nessa influência cultural dos imigrantes germânicos, italianos e portugueses, dando origem, juntamente com os povos de origem indígena e africana que aqui já residiam, à identidade cultural capixaba.  


No período em que foi Juiz Municipal em Santa Leopoldina, entre agosto e novembro de 1890, Graça Aranha foi um grande observador dessa relação do imigrante europeu com os nativos, colhendo daí grande parte do material para seu mais famoso livro. E assim nasceu "Canaã", que viria a ser publicado com grande sucesso editorial, sendo considerado, junto com “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, como os primeiros best-sellers da literatura brasileira.


Além da biografia básica de Graça Aranha, aquela facilmente encontrada na internet, este texto tem a intenção de levar ao conhecimento do leitor de O Leopoldinense, outras facetas da sua pouco conhecida vida privada e situar o leitor um pouco mais no contexto histórico que deu origem a essa fantástica obra literária brasileira.


Jovem, talentoso e comunicativo, Graça Aranha não encontrou dificuldades para iniciar a sua trajetória pública pois, juntando esses atributos à sua origem nobre, uma família tradicional do Maranhão, fez carreira rápida, tornando-se amigo de Machado de Assis, o que o levou a ser membro-fundador da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira nº 38, mesmo sem ainda ter publicado um livro sequer.


Essas amizades que facilmente conquistava, principalmente a de Machado de Assis, uma figura de grande prestígio na política nacional e internacional, levaram Graça Aranha à carreira diplomática no Itamaraty, onde fez um trabalho bem dinâmico, tendo desempenhado várias missões em Londres, Oslo, Haia e Paris, entre os anos de 1900 e 1920. 


Como quase tudo na vida de Graça Aranha foi precoce, a sua vida amorosa também começou muito cedo, tendo se casado aos vinte e um anos com a jovem Maria Genoveva, a Iaiá, filha do Conselheiro José Bento de Araújo, Presidente da Província do Rio de Janeiro.


Por ser uma esposa dedicada e até um certo ponto submissa, comportamento comum nos casamentos da época, e principalmente em função das inúmeras viagens de Graça Aranha, a esposa Maria Genoveva deixava o marido livre, vivendo distantes boa parte do tempo. Outro fato pouco sabido é que Graça Aranha não viajava só por motivos de trabalho. Os motivos eram a sua saúde também, pois de vez em quando, saía de cena e se recolhia, indo tratar os seus problemas nervosos em locais de repouso.


E essa vida livre proporciona a Graça Aranha a manutenção de casos extraconjugais, sendo mais conhecido o que manteve com outra mulher de grande prestígio social, a paulista Nazaré Prado, filha de Antônio da Silva Prado, fazendeiro paulista que foi Ministro da Agricultura de Dom Pedro II. 


Nazaré era uma mulher casada e mantinha um relacionamento discreto com Graça Aranha, que durante esse período, escreveu mais de três mil cartas para a amante. O interessante é que ele mantinha o mesmo carinho que dedicava à amante também nas correspondências dirigidas à esposa, demostrando, como dizem alguns autores, ser um homem dividido entre dois amores.


E realmente a sua vida foi dividida, pois morava em hotéis quando voltava ao Brasil, principalmente depois de se aposentar no Itamaraty, enquanto a esposa já vivia junto à família da filha casada. Isso ficou mais notório ainda com morte da mãe de Graça Aranha, em 1927, quando ele passa a não esconder mais o vínculo com Nazaré, e os dois vivem abertamente o relacionamento, mas sem poder se casar, pois as leis brasileiras da época não permitiam. Sofrendo esta situação, Graça Aranha até se transformou em um fervoroso defensor do divórcio, sem, no entanto, concluir o seu intento, pois faleceu no início da noite de uma segunda-feira, 26 de janeiro de 1931. Tinha com 62 anos de idade e foi vítima de um edema pulmonar, sendo sepultado no Cemitério de São João Batista, no Rio de Janeiro.


Após a morte de Graça Aranha, Nazaré Prado, a amante, publicou uma pequena coletânea das milhares de cartas que recebia do amante famoso, mas pela repercussão escandalosa que o conteúdo das cartas trouxe, o livro foi censurado e recolhido. 


Um fato que nos faz reconhecer na figura de Graça Aranha um lado de amante pouco conhecido é que, mesmo morto, o seu corpo continuou sendo disputado pelas suas amadas. A posse do corpo sepultado no Cemitério de São João Batista voltou à esposa, embora Graça Aranha tenha vivido os últimos anos com a amante Nazaré. A esposa Maria Genoveva, preservando a sua condição aristocrática, foi quem assumiu o papel de viúva oficial e enterrou o marido que não mais vivia com ela, providenciando um lacre no seu túmulo para que a amante, quando morta, não fosse descansar junto ao corpo do escritor. 


O poder do matrimônio permitiu que a esposa se vingasse das traições públicas, e o marido fujão passaria sozinho a eternidade, castigo que não era tão grave assim para quem passou grande parte da vida na solidão das viagens e dos hotéis. 


Mas a história do amante Graça Aranha não termina por aí, pois Nazaré comprou um terreno em frente ao seu túmulo e exigiu ser enterrada lá, fazendo companhia eterna ao amado, mesmo sem a união oficial.  E a esposa Maria Genoveva, bem mais comedida que a amante, foi enterrada no jazigo da família, junto com os seus ilustres antepassados. 


Incrível é saber que todos esses personagens descansam no mesmo cemitério, o São João Batista, no Rio de Janeiro, e podem ser visitados a qualquer tempo pelos leitores mais curiosos.


Voltando a falar do mais famoso livro de Graça Aranha, a origem do nome “Canaã”, que remeteu a várias discussões ao longo do tempo, tem como versão mais provável um registro de que, numa conversa informal entre Graça Aranha e o ex-Presidente da Província do Espírito Santo, José Fernandes da Costa Pereira Junior, um homem que se preocupava com o desenvolvimento do interior do Espírito Santo, Costa Pereira teria dito que “O Espírito Santo não deveria ser desejado utopicamente, como uma Canaã”, ao que Graça Aranha respondeu: “Canaã é, sim, o Espírito Santo, como irei mostrar”. Deduz-se então, que o jovem magistrado já iniciava em sua mente o exercício das ideias que dariam origem ao livro.


Mas os principais fatos que inspiraram Graça Aranha na composição da obra foram a sua atenta observação da vida, do cotidiano e da relação entre imigrantes e nativos de Santa Leopoldina, e também a sua atuação como Juiz no julgamento de uma jovem imigrante chamada Guilhermina Lübke. 


As observações das relações interraciais presentes na “babel” Santa Leopoldina, deram a Graça Aranha os subsídios necessários para compor os principais personagens do romance Canaã: os amigos Lentz, um adepto da ideologia da superioridade da raça ariana sobre os mestiços e Milkau, um otimista, que confiava no futuro do Brasil, na força regeneradora do amor e na mistura das raças. 


O terceiro personagem de destaque de Canaã foi composto com base na atuação de Graça Aranha no julgamento de Guilhermina Lübke, acusada de infanticídio, que foi absolvida e desapareceu da cidade, deixando uma forte imagem gravada na memória do jovem juiz. 


No romance, a jovem Guilhermina foi materializada como Maria, e o suposto assassinato do filho foi simbolizado na cena em que ela dá à luz no meio do mato e vê o bebê ser devorado por porcos selvagens.


Na realidade, estudos mais aprofundados da obra de Graça Aranha, revelaram que o romance Canaã é uma ampliação de dois contos escritos anteriormente por ele. Um foi “Névoas do passado”, de 1897, e o outro foi “Imolação”, de 1899.  A dificuldade em perceber a origem de Canaã nesses contos se deu em função de que o autor os publicou na Revista Brasileira com o pseudônimo de Flávia do Amaral, omitindo sua verdadeira identidade. 


E foi diante da excelente recepção por parte dos leitores da revista que Graça Aranha tomou coragem para construir esse grande romance, que certamente já imaginava desde a conversa que teve com Costa Pereira.


Embora muitos pesquisadores acreditem que Graça Aranha tenha iniciado a escrita de “Canaã” no período em que trabalhou como Juiz em Santa Leopoldina, e eu até torceria para que isso fosse verdade, o mais provável é que o romance tenha sido escrito em vários lugares entre o Brasil e a Europa, sendo um dos destaques a cidade mineira de São João Del Rei, em Minas Gerais, onde Graça Aranha teria dado início à escrita do livro.


Mas foi morando na Europa, mais especificamente em Londres, que Graça Aranha efetivamente se dedicou a escrever Canaã, terminando a sua famosa obra com a ajuda providencial de sua mulher, que foi a sua mais eficiente secretária, fato pouco conhecido e pouquíssimo citado nas suas biografias.


E Canaã acabou sendo editado em Paris, em 1901, pela Editora Garnier, que só o divulgou para o restante da Europa em março de 1902, sendo por fim publicado no Brasil somente em abril de 1902.


O romance Canaã é um símbolo de sucesso da literatura brasileira, uma vez que desde seu lançamento foi editado em todas as décadas, às vezes, até por duas ou mais editoras ao mesmo tempo. 


E hoje, a nossa Santa Leopoldina é reconhecida mundialmente como “filha do sol e das águas” em função da citação feita por Graça Aranha, quando descreveu a nossa cidade nas páginas de Canaã: “... a casaria toda branca , em plena glória da cor, da claridade e da música feita dos sons da cachoeira, represa do férvido rio que se liberta em franjas de prata, a cidadezinha era naquele delicioso e rápido instante filha do sol e das águas”.


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