COLUNA Adriano Lima Neves

A Primeira Câmara de Vereadores de Santa Leopoldina

Por Adriano Lima Neves


Nesta semana em que acabamos de escolher os novos vereadores para a Câmara Municipal de nossa cidade, numa rápida e tecnológica eleição, em que o uso da urna eletrônica nos permitiu em poucas horas saber os nomes dos eleitos, lembrei de trazer ao conhecimento do leitor de O Leopoldinense detalhes de como foi a instalação e a primeira eleição para a Câmara Municipal de Santa Leopoldina, ocorrida há 133 anos.


Como se tratava da emancipação da Vila do Cachoeiro, que já havia sido instituída anteriormente pela Lei nº 21 de 04/04/1884, e portanto já estava atrasada em três anos, a instalação da Câmara Municipal de nossa cidade e a nomeação dos primeiros vereadores foi uma data muito especial, cujos festejos se iniciaram na noite de sexta-feira, 15 de abril de 1887, encerrando-se somente no domingo, 17 de abril de 1887, data que se tornou oficial.


Pela dificuldade de comunicação da época, a primeira providência a ser tomada foi a confirmação da presença do Presidente da Província do Espírito Santo no evento, uma vez que sem ele, nada poderia ser formalizado. Para isso, foi providenciada uma canoa especial para o transporte do Presidente da Província, o Desembargador Antônio Joaquim Rodrigues, desde a capital Vitória, até o porto de Santa Leopoldina. Como a duração média de uma viagem de canoas entre Santa Leopoldina e Vitória era de nove horas, a canoa que foi buscar o Presidente  se deslocou para a capital na manhã do dia 15 de abril, uma sexta-feira, para que chegasse ao seu destino no final da tarde. Havia a necessidade de um tempo para descanso dos remadores, que teriam que voltar a subir o rio Santa Maria da Vitória em direção a Santa Leopoldina, por volta de meia-noite, trazendo o Desembargador Antônio Joaquim Rodrigues e sua comitiva.


A confiança que a comissão que preparou os festejos tinha de que o Presidente da Província estaria presente na cidade era tanta que, mesmo ainda sem a presença dele, foi realizado um grande baile em sua homenagem na véspera de sua chegada, na noite de 15 de abril de 1887, tendo comparecido os mais altos membros da sociedade leopoldinense. Esse baile aconteceu no salão do Paço Municipal, que ficava localizado onde hoje é a Escola Alice Holzmeister.


E na manhã do dia 16 de abril de 1887, por volta de nove horas, a comitiva do Presidente da Província chegou a Santa Leopoldina, sendo recebida com grande entusiasmo pela população e pelas autoridades locais. Faziam parte dessa comitiva, além do Presidente da Província, o capitão Joaquim Correia de Lyrio, Presidente da Câmara Municipal de Vitória, e os vereadores Cleto Nunes e João Antônio Pessoa Junior, que serviriam de secretários e representantes oficiais do município mãe, Vitória.


Dois outros grandes eventos aconteceram naquele sábado, 16 de abril de 1887. O primeiro foi a histórica instalação da primeira linha telefônica do Espírito Santo, que interligou a rua Costa Pereira, a nossa conhecida rua de cima, à Rua Taunay & Telles, atualmente denominada Rua José de Anchieta Fontana.


O segundo evento foi o grande baile oferecido e patrocinado pelos engenheiros Luiz Goffredo de Escragnolle Taunay e Augusto Carlos da Silva Telles, inventores do secador de café Taunay & Telles e proprietários do Engenho Central de Santa Leopoldina, o primeiro engenho de beneficiamento de café do Espírito Santo, um grande empreendimento que havia sido inaugurado cinco anos antes.


Os registros da época falam que o baile foi realizado em frente ao Engenho Central, o que nos leva a deduzir que foi em uma área aberta, ao ar livre, utilizando o grande terreiro cimentado usado para secar café, que havia sido construído pelos dois jovens engenheiros no local onde hoje é o pátio de festas de Santa Leopoldina. A pompa e o glamour desse baile somente podem ser objetos de nossa imaginação, mas deve ter sido um dos maiores eventos sociais já ocorridos na história de Santa Leopoldina.


O ato formal de instalação da Câmara Municipal ocorreu na manhã seguinte, dia 17 de abril de 1887, por volta das onze horas. E foi uma cerimônia rápida, precedida apenas de um discurso formal do Desembargador Antônio Joaquim Rodrigues, Presidente da Província do Espírito Santo, muito aplaudido pelos que estavam presentes ao ato.


Logo em seguida passou-se à eleição da Presidência e Vice-presidência da Câmara Municipal, tendo sido eleitos os vereadores José das Neves Fraga, para Presidente, e o coronel Antônio José de Araújo Silva, para Vice-presidente. Este último, carrega uma particularidade que vale à pena ser revelada ao leitor de O Leopoldinense: ele era o avô da famosa cantora Sylvinha Mello, a bonequinha do rádio, contemporânea de Aracy de Almeida e Carmen Miranda nos anos 30 e 40. 


Devo lembrar que a primeira eleição para a Presidência da Câmara Municipal de Santa Leopoldina foi feita com base nos nomes dos vereadores que já haviam participado de uma eleição anterior, ocorrida em 10 de janeiro daquele mesmo ano e que teve o seguinte resultado:  Tenente Gustavo Pinto do Nascimento, cinco votos; Luiz Holzmeister, cinco votos; Coronel Antônio José de Araujo Silva, quatro votos; Capitão Francisco Nunes do Amaral Pereira, quatro votos; Alferes José das Neves Fraga, quatro votos; Antônio Correia do Nascimento, quatro votos; Domingos Francisco Lima, quatro votos; Justiniano José Vieira, um voto; J.S.Passos, um voto e Serafim dos Anjos, um voto, tendo sido eleitos os seis primeiros colocados.


Esse baixo número de votos pode até surpreender os eleitores atuais, mas mostra como as elites dominavam a política daquela época. Por não ser permitido o voto das mulheres, dos negros e dos analfabetos, só havia em Santa Leopoldina trinta e oito eleitores aptos a votar, mas quatro faltaram e um votou em branco.


Mesmo tendo recebido apenas quatro votos na eleição para vereador, o Alferes José das Neves Fraga foi o escolhido para a Presidência da casa, em função de ser o mais velho entre todos os vereadores eleitos. 


Outro detalhe é que o Coronel Antônio José de Araújo Silva teve que fazer a opção entre o cargo de Juiz de Paz, que já detinha, e o cargo de Vereador, optando pelo segundo, mesmo não havendo remuneração para nenhum dos dois cargos. “Aceito o cargo de vereador, pois foi o que o povo quis”, disse à época.


Nesse ano de 1887, a cidade de Santa Leopoldina já havia atingido um grande desenvolvimento comercial, cultural e social, e suas festas atraíam pessoas de destaque da sociedade capixaba, principalmente da capital.


E nesse fim de semana festivo, em que foi instalada a Câmara Municipal de Santa Leopoldina e empossados os seus primeiros vereadores, estiveram presentes aos festejos grandes personalidades da sociedade capixaba, dentre eles políticos, grandes comerciantes e outras autoridades, até mesmo de fora das nossas fronteiras.


Merecem destaque as presenças de Afonso Cláudio de Freitas Rosa, à época um ilustre advogado, que dois anos mais tarde seria nomeado o primeiro Governador do Estado do Espírito Santo; O Capitão Ignácio Rodrigues Bermudes, bisavô “desse que vos escreve”, uma liderança política local e futuro Grão-Mestre da Grande Loja Maçônica de Santa Leopoldina, cujo título recebeu em 1904; Jacintho Adolpho de Aguiar Pantoja, engenheiro do Império, chefe da Comissão de Terras em Santa Leopoldina; Francisco de Lima Escobar Araújo, um respeitado jornalista da capital; Aniceto Joaquim Barbosa, advogado e Procurador da Câmara Municipal de Vitória; Alberto Sebastião Volkart, comerciante e liderança política local; Fabriciano Paiva Ribeiro das Neves, Coletor Federal; e Franz Rudio, botânico alemão e ex-diretor da colônia de Santa Leopoldina.


Esse breve relato sobre os primórdios da política em nossa cidade, embora mostrando-a cheia de formalidades, gala e até uma certa dose de romantismo, nos dá uma dimensão do quanto a política atual é mais participativa do que a daquela época, em que apenas 38 pessoas, todas representantes da classe dominante, eram as responsáveis por escolher os destinos da cidade, deixando de fora do processo eleitoral milhares de outros leopoldinenses.


Isso nos faz refletir o quanto a democracia é sagrada e o quanto ela se desenvolveu nesses 133 anos que separam a primeira eleição de Santa Leopoldina da última, em que 8.035 eleitores leopoldinenses escolheram o novo Prefeito Municipal e os nove representantes na Câmara Municipal, de maneira livre, soberana, apenas obedecendo a sua vontade.


O passado deve ser sempre lembrado para que os eleitores de hoje possam enxergar como a sociedade evoluiu. 


Que as facilidades tecnológicas de hoje e a liberdade que é dada ao eleitor na escolha de seus representantes, quando comparadas com as dificuldades de tempos atrás e com a exclusão do povo do processo eleitoral, prática comum naquela época, sirvam de estímulo para que melhoremos cada vez mais a qualidade do nosso voto. 

Estamos no caminho certo. 



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3 Comentários

  1. Conhecimento liberta!
    Valeu Adriano, como sempre, muito boa matéria!
    Parabéns,estamos junto!

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  2. Grande Adriano, parabéns!
    Uma linda e apaixonante história da nossa cidade tão querida...
    Aguardamos com entusiasmos seu segundo livro 👍

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  3. Primo.
    Eu e mamãe, ela nascida na Cidade que é Filha do Sol e das Águas ficamos orgulhosos do amor e do respeito com os quais você relata a história de nossa eterna Santa Leops.
    Parabens.
    Antonio Carlos Castro D'Oliveira Junior e Elizabeth Lima D'Oliveira.

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