Parque Moscoso: o refúgio verde no coração de Vitória mudou a história de um pântano insalubre
Quem vê o Parque Moscoso todo iluminado para o "Natal de Encantos", recebendo milhares de visitantes com muita alegria, música e cores, nem imagina que esse refúgio verde no coração de Vitória era, até o final do século XIX, um pântano insalubre, responsável por espalhar doenças como febre amarela e malária, conhecido como Campinho, Lapa do Mangal ou Mangal do Campinho.
Inaugurado em 1912, o Parque Moscoso ganhou novas formas ao longo dos anos, com com suas árvores centenárias e jardins floridos, recebeu gradis, se viu cercado pelo trânsito intenso, passou por reformulações, e permanece na memória afetiva dos moradores por ser essa área de lazer e contemplação para onde convergiram várias gerações. Por tudo isso, vale a pena relembrar sua história.
Dos alagados ao jardim
A região do Campinho era sujeita ao movimento das marés. Nas cheias, a Rua da Lapa, atual Thiers Velloso, ficava alagada, impedindo o acesso à Santa Casa e a Santo Antônio, por exemplo. Por outro lado, nas baixas, restava a lama, a água estagnada e restos orgânicos, "fontes de exalações pútridas", como descreviam os relatórios oficiais. Nesses documentos, o Campinho é tratado como problema sanitário.
A partir de 1848, vários governos aterraram partes da área. Em 1872, o presidente da Província, do Espírito Santo (Província, no período imperial, passou a chamar-se Estado, na República), Francisco Ferreira Corrêa, apontou o potencial do lugar para a instalação de um passeio público. O aterro total seria uma medida para melhorar as condições de saúde pública, uma vez que o Serviço de Saneamento descrevia o local como responsável por espalhar doenças como febre amarela e malária:
"D'esses focos de emanações pútridas e palustres era o mais importante em nossa capital o denominado Mangal do Campinho..."
Já na era republicana, num tempo em que os ideais de progresso e modernidade se espalhavam pelas capitais brasileiras, a região do Campinho ganhou um novo nome, Vila Moscoso, em homenagem ao presidente da Província, Henrique de Ataíde Lobo Moscoso (1888-1889). O terreno poderia ser loteado e a venda dos lotes reverteria em recursos financeiros para o governo. Em 1895, nas gestão de Moniz Freire, foi elaborado um plano de arruamento para a área. Poucos anos mais tarde, a nova Vila começou a surgir.
Um parque de inspiração francesa
Quando o governador Jerônimo Monteiro (1908-1912) iniciou seu programa de modernização urbana - que incluiu o abastecimento de água, sistema de esgoto, iluminação elétrica e implantação dos bondes elétricos -, ele decidiu pela construção do jardim público na Vila Moscoso, como parte de um projeto de embelezamento da cidade.
Para projetar e executar as obras, em 1910, foi contratado o paisagista Paulo Rodrigues da Motta Teixeira. Paulo Motta se inspirou nas ideias de Joseph-Antoine Bouvard, diretor dos serviços de arquitetura, passeios e vias públicas de Paris, e incorporou traços do ecletismo e do art nouveau em seu projeto.
As obras duraram cerca de 15 meses e custaram 22:620$000 (Vinte e dois contos, seiscentos e vinte mil réis), na moeda da época. Assim nasceu, em 1912, o Parque da Vila Moscoso, com cerca de 24 mil metros quadrados, com alamedas ajardinadas, lagos artificiais, fontes e canteiros.
A presença popular na inauguração foi massiva e entusiasta. Sobre a pedra fundamental, ergueu-se um monumento em homenagem a Henrique Moscoso. A "Praça Moscoso" instaurou um código de conduta diferente dos demais espaços populares. Era o lugar da distinção social, pautada pela pompa nas vestimentas, pela elegância gestual.
A visão do paisagista Paulo Motta
O jardim não possuía muros nem gradis e suas alamedas amplas e passeios floridos se integravam à dinâmica de circulação dos moradores da cidade. Os pedestres eram convidados a cortar caminho pela alameda no sentido norte-sul (Alameda Paulo Motta, onde atualmente fica o portão da Avenida Cleto Nunes) ou, na diagonal (Alameda Central, onde estão os portões laterais), para o acesso à Vila Rubim.
Já no interior do parque, os percursos sinuosos conduziam os visitantes a recantos com coreto, fonte, orquidário (extinto), lago e ruínas, longos espaços gramados e bancos para descanso e contemplação. O Termo de Contrato firmado entre o Governo do Estado e Paulo Motta previa o lago de 2.330 m², com duas ilhas artificiais e dois repuxos artísticos, três pontes imitando madeira rústica, uma fonte luminosa, além de ruínas com escadarias e corrimões decorativos.
O contrato ainda previa 19 figuras ornamentais importadas de Hamburgo. A imprensa da época elogiou a beleza do coreto de ferro, capaz de abrigar 60 músicos, o orquidário e as fontes ornamentais, um recurso típico do paisagismo francês. Uma delas, em ferro fundido, com figuras femininas e infantis entre flores, ficou conhecida como Fonte Jeronymo Monteiro. Postes metálicos ornamentais iluminaram as alamedas e canteiros.
Bouvard influenciou muitos paisagistas brasileiros nesta mesma época. Em Vitória, Paulo Motta encontrou uma oportunidade de combinar paisagismo, circulação viária e o aproveitamento da área de várzea. O mangal insalubre convertido em engenharia, arte e contemplação.
Cenário de uma nova vida social
O parque simbolizava o ingresso de Vitória na era moderna, higiênica e civilizada. A população passou a frequentar o novo jardim com suas melhores roupas e modos. Passear no Parque Moscoso, no início do século XX, era um gesto de elegância. As "famílias de fino trato" passeavam ali, reforçando o ideal de respeitabilidade e distinção que marcava a vida urbana de Vitória.
O footing -- caminhar sem pressa pelas alamedas, conversar, observar e ser observado -- tornou-se um dos hábitos preferidos. O parque, com sua iluminação profusa, era cenário de conversas, namoros discretos e momentos de introspecção.
Havia também piqueniques e festas ao ar livre nas ilhas do lago, além de apresentações de bandas e fanfarrias militares que animavam os domingos. O parque recebia missas campais e festas cívicas. Há registros na imprensa da época de lançamento de balões festivos, sob a coordenação de Paulo Motta.
Bairro classe A
Na primeira década do século XX, antes mesmo da inauguração do parque, o entorno começou a atrair moradores de maior poder aquisitivo. Ainda há casas remanescentes desta época nos arredores e, entre elas, uma das mais icônicas é a Vila Oscarina, a primeira da cidade a ter luz elétrica e telefone.
Com a fachada principal voltada para a Rua 23 de Maio e a varanda com vista para o Parque Moscoso, a residência foi escolhida para hospedar, em 1921, o candidato a presidente do Brasil Nilo Peçanha. Construída em estilo eclético e características de chalé, a Vila Oscarina é identificada como de Interesse para Preservação pela Lei 3158 de 1984, no Grau de Proteção Secundária (GP2).
Um relato oficial de 1912 celebra o local beneficiado pelas alterações na paisagem:
"O enorme lodaçal foi aterrado. Ao centro, o dr. Jeronymo Monteiro fez construir um amplo jardim para recreio do público e em torno mandou levantar construções elegantes. Esse trecho da Victoria é actualmente um encanto".
Também estão presentes nos arredores casas mais simples, cujas construções foram subsidiadas pelo Estado, destinadas a funcionários públicos.
Transformações ao longo do tempo
O Parque Moscoso conservou-se como na inauguração até 1952, quando, no governo de Jones dos Santos Neves, passou pela primeira grande intervenção e foram construídas a Concha Acústica e a escolinha infantil Ernestina Pessoa - esta, com acesso independente. Esses dois equipamentos, atualmente, são os únicos exemplares da arquitetura moderna tomabados no Estado.
Na década de 1970, já na gestão municipal de Crisógono Teixeira da Cruz, pequenas edificações foram acrescentadas e o parque ganhou muros e grades de proteção. Ao longo dos anos, houve alterações de maior e de menor impacto, até que, em 2001, a Prefeitura de Vitória decidiu resgatar o ambiente original e valorizar os aspectos históricos e paisagísticos. Desde então, as manutenções e intervenções necessárias são realizadas respeitando a concepção inicial de Paulo Motta


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