COLUNA Adriano Lima Neves

PAPEL X URNA ELETRÔNICA, QUANTA DIFERENÇA

Por Adriano Lima Neves - Estamos em pleno intervalo entre o primeiro e o segundo turnos da eleição de 2022, cujo resultado do primeiro turno no Espírito Santo nos levará a nova votação para a escolha definitiva do Governador e do Presidente da República no próximo dia 30 de outubro.

Poderia eu aqui nesta coluna semanal de O Leopoldinense tratar de assuntos mais
nobres, como a história da democracia no Brasil ou outra temática mais abrangente. Mas,
infelizmente, em função da teimosia de uma minoria da população brasileira, aquela
conhecida minoria negacionista da verdade, da ciência e do óbvio, me vejo na obrigação de
falar sobre o uso da urna eletrônica no processo eleitoral brasileiro, que nos permitiu em
poucas horas saber o resultado da eleição de primeiro turno, ocorrida no último dia 02 de
outubro.

A confiabilidade da tecnologia usada nas urnas eletrônicas brasileiras não será
discutida por mim neste texto. Para mim, para os técnicos do Tribunal Superior Eleitoral,
para as empresas de auditoria externa contratadas para a verificação, e até para o Exército Brasileiro, que acompanhou de perto o funcionamento das urnas no primeiro turno, e não encontrou uma falha sequer, isso é assunto já ultrapassado. Isso já seria o bastante para
fazer desaparecer os que ainda acreditam em teorias conspiratórias recebidas nas
mensagens de whatsapp da tia ou do vizinho. Mas, não sei por que motivo, essas pessoas
ainda existem e lamento serem exatamente elas que não gostam de ler e, portanto,
dificilmente lerão este texto.

Para os que gostam de se informar, gostaria de fazer uma comparação de como eram as eleições brasileiras do passado e as do presente, e tentar entender como é possível alguém com o mínimo de discernimento, ainda desejar que voltemos ao voto de papel.

Trago como exemplo de eleição impossível de ser auditada e, consequentemente,
impossível de se saber se ela realmente retratou a vontade do povo, a primeira eleição para
a Câmara Municipal de Santa Leopoldina, ocorrida há 135 anos.

Essa eleição, que se iniciou em 10 de janeiro de 1887 com a escolha dos vereadores,
só foi terminada em 17 de abril de 1887, um domingo, com a eleição da Mesa Diretora da
Câmara Municipal e a cerimônia de formalização da emancipação da Vila do Cachoeiro, que
já havia sido instituída anteriormente pela Lei nº 21 de 04/04/1884 e, portanto, já estava
atrasada em três anos.

Sem as facilidades e a confiabilidade das atuais urnas eletrônicas, e pela preocupação com as fraudes facilitadas pela dificuldade de comunicação da época, a primeira providência a ser tomada foi a confirmação da presença do Presidente da Província do Espírito Santo na eleição, uma vez que sem a supervisão dele, nada poderia ser formalizado. E o Presidente da Província, o Desembargador Antônio Joaquim Rodrigues foi trazido a Santa Leopoldina em uma canoa especialmente enviada a Vitória para busca-lo, aqui chegando na manhã de sábado, 16 de abril de 1887, por volta das nove horas da
manhã, sendo recebido com grande entusiasmo pela população e pelas autoridades locais.
Faziam parte da comitiva, além do Presidente da Província, o capitão Joaquim Correia de
Lyrio, Presidente da Câmara Municipal de Vitória, e os vereadores Cleto Nunes e João
Antônio Pessoa Junior, que serviriam de secretários e representantes oficiais do município mãe, Vitória.

O ato formal de instalação da Câmara Municipal ocorreu na manhã seguinte, dia 17 de abril de 1887, por volta das onze horas. E foi uma cerimônia rápida, precedida apenas
por um discurso formal do Presidente da Província do Espírito Santo, que foi muito aplaudido pelos que estavam presentes ao ato.

Logo em seguida passou-se à eleição da Presidência e Vice-presidência da Câmara
Municipal, tendo sido eleitos os vereadores José das Neves Fraga, para Presidente, e o
coronel Antônio José de Araújo Silva, para Vice-presidente. Este último, carrega uma particularidade que vale à pena ser revelada ao leitor de O Leopoldinense: ele era o avô da
famosa cantora Sylvinha Mello, a bonequinha do rádio, contemporânea de Aracy de Almeida
e Carmen Miranda nos anos 30 e 40.

Essa eleição para a Presidência e Vice-presidência da Câmara Municipal de Santa
Leopoldina foi feita com base nos nomes dos vereadores que já haviam participado da eleição ocorrida em 10 de janeiro daquele mesmo ano e que teve o seguinte resultado: Tenente Gustavo Pinto do Nascimento, cinco votos; Luiz Holzmeister, cinco votos; Coronel Antônio José de Araujo Silva, quatro votos; Capitão Francisco Nunes do Amaral Pereira, quatro votos; Alferes José das Neves Fraga, quatro votos; Antônio Correia do Nascimento, quatro votos; Domingos Francisco Lima, quatro votos; Justiniano José
Vieira, um voto; J.S.Passos, um voto e Serafim dos Anjos, um voto, tendo sido eleitos os
seis primeiros colocados.

Esse baixo número de votos pode até surpreender os eleitores atuais, mas mostra
como as elites dominavam a política daquela época. Por não ser permitido o voto das
mulheres, dos negros e dos analfabetos, só havia em Santa Leopoldina trinta e oito eleitores
aptos a votar, mas quatro faltaram e um votou em branco.

Mesmo tendo recebido apenas quatro votos na eleição para vereador, o Alferes José
das Neves Fraga foi o escolhido para a Presidência da Casa, em função de ser o mais velho entre todos os vereadores eleitos.

Outro detalhe é que o Coronel Antônio José de Araújo Silva teve que fazer a opção
entre o cargo de Juiz de Paz, que já detinha, e o cargo de Vereador, optando pelo segundo,
mesmo não havendo remuneração para nenhum dos dois cargos. “Aceito o cargo de
vereador, pois foi o que o povo quis”, disse à época.

Merecem destaque as presenças nessa cerimônia de Afonso Cláudio de Freitas
Rosa, à época um ilustre advogado, que dois anos mais tarde seria nomeado o primeiro
Governador do Estado do Espírito Santo; O Capitão Ignácio Rodrigues Bermudes, bisavô
“desse que vos escreve”, uma liderança política local e futuro Grão-Mestre da Grande Loja
Maçônica de Santa Leopoldina, cujo título recebeu em 1904; Jacintho Adolpho de Aguiar
Pantoja, engenheiro do Império, chefe da Comissão de Terras em Santa Leopoldina;
Francisco de Lima Escobar Araújo, um respeitado jornalista da capital; Aniceto Joaquim
Barbosa, advogado e Procurador da Câmara Municipal de Vitória; Alberto Sebastião Volkart,
comerciante e liderança política local; Fabriciano Paiva Ribeiro das Neves, Coletor Federal;
e Franz Rudio, botânico alemão e ex-diretor da colônia de Santa Leopoldina.

Claro que o leitor de O Leopoldinense percebeu a total ausência do povo leopoldinense nesse processo de escolha de seus representantes, pois apenas 38 pessoas, todas representantes da classe dominante, puderam votar. Isso nos dá uma dimensão do quanto a política atual é mais participativa do que a daquela época, em que apenas “os homens bons” eram os responsáveis por escolher os destinos da cidade, deixando de fora do processo eleitoral milhares de outros leopoldinenses.

Hoje, com todo o aparato tecnológico em torno do processo eleitoral brasileiro, com
o uso da urna eletrônica, fica claro o quanto a nossa democracia amadureceu e o quanto
ela se desenvolveu nesses 135 anos que separam a primeira eleição de Santa Leopoldina,
com apenas 38 eleitores, em uma cidade que já possuía mais de 6.000 habitantes, da última,
ocorrida em 02 de outubro de 2022, no primeiro turno. Nessa última, 10.598 eleitores leopoldinenses estavam aptos a comparecer às urnas e escolher os seus deputados, o seu
senador, o seu governador e o seu presidente, e o fizeram, de maneira livre, soberana,
apenas obedecendo a sua vontade. E mais, sabendo que o voto que digitaram na urna
eletrônica foi dado, sem nenhuma dúvida, para os candidatos por eles escolhidos. Uma
verdadeira festa da democracia.

Termino este texto afirmando que o passado deve ser sempre lembrado para que os
eleitores do presente possam enxergar como a sociedade evoluiu. E que as facilidades
tecnológicas de hoje e a liberdade que é dada ao eleitor na escolha de seus representantes,
quando comparadas com as dificuldades de tempos atrás e com a exclusão do povo do
processo eleitoral, sirvam de estímulo para que melhoremos cada vez mais a qualidade do
nosso voto.

Estaremos no caminho certo se assim agirmos..


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1 Comentários

  1. Artigo perfeito e bastante oportuno. Parabéns ao articulista.

    Não há dúvida de que o sistema eletrônico de votação utilizado no Brasil constitui um avanço importantíssmo na história das eleições no país.

    É seguro, célere e eficaz.

    Alegar, como alegam alguns, que o sistema eletrônico de votação permite que os resultados sejam alterados e que, em razão disso, poderiam ocorrer fraudes eleitorais nas eleições é pura invencionice.

    As urnas eletrônicas, como se sabe, são utilizadas no Brasil há mais de 25 anos e até hoje não houve nenhuma comprovação de fraude.

    A apuração dos votos é feita automaticamente com a mais absoluta segurança.

    Todo o processo de apuração dos resultados ocorre por rede de transmissão de dados criptografados, cuja integridade e autenticidade são verificadas antes de se iniciar a totalização dos resultados de cada uma das urnas eletrônicas.

    E ao contrário do que dizem alguns, o sistema eletrônico é auditável, podendo a auditoria e a verificação dos resultados ser acompanhadas pelos partidos políticos, pelo Ministério Público, pela Ordem dos Advogados do Brasil e entidades fiscalizadoras.

    Os partidos políticos interessados em fiscalizar a votação podem:

    a) acompanhar o desenvolvimento dos sistemas eleitorais;
    b) participar do Teste Público de Segurança;
    c) acompanhar a preparação das urnas eletrônicas;
    d) acompanhar o teste de integridade no dia da votação;
    d) verificar os boletins de urna impressos nas seções ou obter sua versão digital por QR Code;
    e) ter acesso a todos os arquivos eletrônicos gerados na eleição para verificações; entre outros.

    Engenheiros da USP, Unicamp e UFPE realizaram recentemente estudos aprofundados nos códigos-fonte do sistema eletrônico de votação e no modelo UE2020 da urna eletrônica utilizado nas eleições e atestaram a plena segurança das urna eletrônica, afirmando categoricamente que o sistema eletrônico de votação não apresenta vulnerabilidades.

    Já o sistema de apuração mediante votos impressos contados "manualmente" pelos próprios mesários foi marcado por diversas fraudes ao longo da história. Este sim, representaria um enorme e despropositado retrocesso.


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