COLUNA Adriano Lima Neves

Santa Leopoldina na história da Cerveja

Publicado em 30/10/2020 às 08:29

Por Adriano Lima NevesPara os leitores de O Leopoldinense que apreciam a mais popular bebida do Brasil, a cerveja, basta hoje se dirigir a qualquer supermercado, bar, padaria ou aos mais diversos estabelecimentos comerciais da cidade que facilmente encontrará uma infinidade de marcas, das mais diversas origens e para satisfazer os mais diversos gostos, todas fabricadas por grandes indústrias nacionais e estrangeiras. Mas, em uma época em que na maioria das cidades brasileiras ainda não se encontrava uma marca sequer dessa popular bebida, Santa Leopoldina já fabricava cerveja, possuindo uma famosa fábrica que aqui funcionou entre o final do século XIX e início do século passado.   


Antes de falar sobre fabricação de cerveja em Santa Leopoldina, vale lembrar que essa bebida é milenar, pois há evidências de que a prática de fabricação de cerveja tenha aproximadamente seis mil anos, tendo se originado na região da Mesopotâmia, onde a cevada crescia nas planícies, em estado selvagem. E a fabricação dessa bebida era uma atividade exclusivamente feminina, desenvolvida pelas mulheres sumérias, um povo mesopotâmico.


No Brasil, a primeira notícia sobre a fabricação de cervejas surgiu em 1836, quase trinta anos após a vinda da Família Real Portuguesa. Era a Cervejaria Nacional (ou Brasileira), localizada na Rua Matacavalos, 27, na sede da Corte, no Rio de Janeiro.


Essa demora para que a cerveja chegasse ao Brasil se deu em função da preferência da Família Real pelo vinho português, principalmente o vinho do Porto, cujo estímulo do consumo no Brasil gerava lucros para a Coroa Portuguesa.


Somente com o início da imigração de origem germânica para o Brasil é que a fabricação e o consumo dessa bebida teve um significativo aumento, pois entre esses imigrantes vieram alguns fabricantes que conheciam a técnica, implantando-a em várias regiões do Brasil, principalmente no sul do país, e também em outras regiões que receberam imigrantes alemães, holandeses, austríacos e outros germânicos, como é o caso do nosso estado e da nossa cidade. 


Quando se fala da tradição da fabricação de cervejas em nossa região o primeiro nome que vem à mente, ou o que mais se destaca nos registros históricos, é Norbert Van Der Kamp, o bisavô do Juiz de Direito da Comarca de Santa Leopoldina, Carlos Ernesto Campostrini Machado, que em 1897 fundou uma fábrica de cervejas na rua Porfírio Furtado, no local onde hoje é a Delegacia de Polícia de Santa Leopoldina.


Mas há também um outro registro de fábrica de cerveja em nossa cidade que vale a pena ser citado, principalmente por ter sido imortalizado nas páginas de Canaã, o famoso livro de José Pereira da Graça Aranha. 


Graça Aranha relata assim a existência de uma fábrica de cerveja no Porto do Cachoeiro, atual Santa Leopoldina: “Depois do jantar, que se tinha passado como o almoço, os dois novos (os imigrantes Lentz e Milkau) subiram ao quarto, incapazes de sahir à rua e de se ir metter ás primeiras horas da noite na fábrica de cerveja, na outra margem do rio, como era o costume ali”.


Essa fábrica de cerveja a que Graça Aranha se referiu no livro era a fábrica do senhor Theodorio Rúdio, localizada nas imediações onde hoje é a residência da família de Fritz Höepke, cujos registros mais antigos são de 1894, mas, por dedução pode-se afirmar que ela já funcionava em 1891, ano em que Graça Aranha deixou de ser juiz de Direito em Santa Leopoldina, e também o ano em que reuniu informações para escrever o seu mais famoso romance.


Essa fábrica do senhor Theodorio Rúdio, apesar de imortalizada por Graça Aranha, só produzia uma quantidade suficiente para venda no próprio local, e mesmo sendo anterior à fábrica de Norbert Van Der Kamp, é a segunda que merece maior destaque na história de Santa Leopoldina.


Norbert Van Der Kamp, cujo registro de nascimento ou de entrada no Brasil nunca consegui encontrar nas minhas pesquisas, era um desses muitos imigrantes de origem germânica que chegaram a Santa Leopoldina na segunda metade do século XIX. Com o conhecimento industrial já trazido da Europa, e tendo percebido que a região carecia de uma indústria que atendesse os gostos de seus conterrâneos, no ano de 1897 ele fundou uma fábrica de cerveja, limonada e gelo. A estrutura da fábrica e a sua capacidade de produção surpreenderam a população da cidade, pois o visionário Van Der Kamp já pensava em uma produção em escala não só suficiente e compatível com aquele que era o maior e mais desenvolvido empório comercial do Espírito Santo, mas também para atender todo o estado.


E por muitos anos os produtos fabricados por Van Der Kamp foram um orgulho para Santa Leopoldina e para o estado do Espírito Santo, tendo recebido em 1908, prêmios nas exposições de amostras do Rio de Janeiro e São Luís, no Maranhão. A qualidade da cerveja Extra-Stout, marca fabricada por Van Der Kamp, era o carro de chefe das bebidas produzidas por ele, sendo a mais bem recebida pelo mercado. Fabricava também cervejas de alta fermentação, cervejas mais leves, branca, preta e dupla, assim como a célebre gasosa, que até há algumas décadas, ainda era lembrada pelos moradores mais antigos da cidade.


Os registros históricos dão conta de que a pioneira indústria de Van Der Kamp iniciou uma fase de decadência nos anos vinte, após a sua morte, que ocorreu em 25 de abril de 1920, quando foi vítima de um fulminante ataque cardíaco, com apenas 50 anos de idade. Mas, antes disso, ainda na década de 1910, com o intuito de capitalizar a sua empresa, Van Der Kamp tomou uma equivocada e nada estratégica decisão: vendeu alguns segredos das técnicas de fabricação das suas cervejas para um investidor mineiro, de origem italiana, chamado Carlos Fornaciari, que com um capital de quarenta e cinco contos de réis, construiu em Belo Horizonte, ainda uma cidade menor do que Santa Leopoldina à época, a fábrica de cervejas Rhenânia, que logo se transformou em uma das maiores do Brasil. O local dessa antiga fábrica é ocupado hoje pelo Shopping Oiapoque, um popular shopping de Belo Horizonte, que se mantém ainda no edifício original, com poucas modificações.


Com uma grande estrutura, a fábrica Rhenânia, que já produzia 18.000 garrafas de cerveja por dia, também passou a produzir refrigerantes, tendo ficado famosas as marcas Guaraná União e as Sodas Limonada Delícia e Soberana. E a Rhenânia durou até 1922, quando foi vendida para a Cervejaria Polar, marca que existe até os dias de hoje.


E em Santa Leopoldina, com o falecimento de Norbert Van Der Kamp, ocorrido em 25 de abril de 1920, tomou a frente dos negócios a sua viúva, Edwiges Van Der Kamp, que para se manter no mercado se apresentava sempre, em qualquer exposição de marcas ou de amostras de bebidas de que participava, como “Viúva Van Der Kamp”.


E foi assim, como Viúva Van Der Kamp, que ela apareceu na relação oficial dos expositores do Espírito Santo premiados na Exposição Internacional do Centenário da Independência, em 1922, quando recebeu medalha de bronze na categoria cervejas e gasosas. Mas, infelizmente, a senhora Van Der Kamp veio a falecer em 1933, tendo seus filhos assumido e tentado levar à frente o negócio da família.


No ano de 1935, já com um novo sócio chamado Antônio Alvarenga, a fábrica investe na produção de vinhos de laranja, confiando na implantação de um projeto de citricultura que estava se iniciando em Santa Leopoldina, o que teoricamente aumentaria e baratearia a aquisição de laranjas para a produção desses vinhos. Essa mudança se deu também em função do fato de que a cerveja fabricada após a morte de Norbert Van Der Kamp já não tinha a mesma qualidade de outrora, pois as fórmulas e as técnicas de fabricação haviam sido vendidas por Van Der Kamp ainda em vida, não tendo passado esses conhecimentos aos filhos antes de morrer.


E essa nova tentativa de levar adiante o sonho do visionário Norbert Van Der Kamp mereceu até destaque na imprensa capixaba, principalmente pela visita do Governador/Interventor João Punaro Bley, em 1935, que esteve demoradamente nas instalações da fábrica, tecendo elogios aos novos investidores.


Mas a produção de laranjas em Santa Leopoldina não se desenvolveu como previsto, e a produção em alta escala de vinhos derivados dessa fruta se tornou inviável financeiramente, o que deu fim a essa pioneira indústria em nossa cidade.


Talvez seja por isso que em Santa Leopoldina se beba muito mais cerveja do que suco de laranja...

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