COLUNA Adriano Lima Neves

Uma academia de ginástica nas selvas de Santa Leopoldina


A ginástica, assim como a conhecemos hoje nas academias, se desenvolveu a partir de um conceito que engloba modalidades competitivas e não competitivas, envolvendo a  prática de uma série de movimentos que exigem força, flexibilidade e coordenação  motora para fins de aperfeiçoamento físico e mental. Esse conceito teórico é largamente aceito e difundido nos cursos superiores na área de fisiologia do exercício físico e na  própria educação física.


O conceito de ginástica surgiu a partir dos exercícios físicos que eram realizados pelos  soldados da Grécia Antiga, que incluíam habilidades para montar e desmontar um  cavalo e para o desenvolvimento da força, da resistência e do aperfeiçoamento do uso  de armas nas batalhas. O seu uso desportivo, com ênfase na competição, também surgiu  na Grécia Antiga, origem dos jogos olímpicos modernos.


Na Europa, esse conceito só viria a surgir no final do século XVIII, também com ênfase desportiva e militar, através de Jean Jacques Rousseau e, posteriormente, já no século XIX, com o nascimento da escola alemã de Friedrich Ludwig Jahn e da escola sueca de Pehr Henrik Ling.


No Brasil, a introdução da ginástica se deu obedecendo os conceitos da escola alemã, com a criação da Sociedade Alemã de Ginástica, no Rio de Janeiro, em 1859, comprovadamente a primeira da América Latina. Esse conceito alemão de ginástica veio a se consolidar em 1860 com a nomeação do alferes Pedro Guilhermino Meyer, de nacionalidade prussiana, para ser o contramestre de ginástica da Escola Militar e do Colégio Pedro II. Até esse momento da história da ginástica no Brasil, ela usava os movimentos corporais, sem a utilização de aparelhos.


No mundo, a ideia da primeira academia de verdade, com o uso de aparelhos, foi do médico sueco Jonas Gustav Vilhelm Zander, considerado o criador da metodologia fisioterápica da mecanoterapia. 


Em 1864, Zander iniciou estudos na Universidade de Uppsala, onde desenvolveu tratamentos médicos através do uso de máquinas especiais. Em 1865, fundou o Instituto Médico Mecânico de Estocolmo, para a realização de fisioterapia em seus pacientes, através do uso de máquinas mecânicas. Nessa época, Zander também começou a fabricar as máquinas especiais usadas na sua metodologia, em parceria com o engenheiro Ernst Göransson.


Em 1876, esses aparelhos e a sua metodologia de tratamento foram apresentados na Exposição Universal da Pensilvânia, nos Estados Unidos, o que lhe rendeu uma medalha de ouro. A partir do sucesso alcançado na Exposição Universal, logo abriu uma filial do seu instituto médico em Londres e, nos anos seguintes, nos Estados Unidos. Uma curiosidade: quem conhece a história real do RMS Titanic, o famoso navio naufragado em abril de 1912, sabe que os aparelhos da academia que havia a bordo eram fabricados pelo Instituto Médico de Estocolmo, criado por Jonas Gustav Vilhelm Zander.


E daí? deve estar se perguntando o leitor de O Leopoldinense. O que isso tem a ver com Santa Leopoldina? 


Tem muito. É que a história de nossa cidade mais uma vez se insere na história da humanidade, pois no mesmo ano de 1876, enquanto o Dr. Jonas Gustav Vilhelm Zander apresentava seus aparelhos de ginástica na Exposição Universal da Pensilvânia, nos Estados Unidos, um imigrante que havia se instalado na localidade de Suíça, uma área ainda selvagem da então colônia de Santa Leopoldina, no interior do Espírito Santo, inaugurava a primeira academia de ginástica do Brasil.


Embora essa informação seja baseada no fato de que não há, pelo menos até então, informações acerca da existência de outra academia de ginástica instalada no Brasil antes de 1876, essa teoria já é plenamente aceita nos meios acadêmicos. Além disso, esse momento histórico ocorrido nos rincões de Santa Leopoldina tem um diferencial enorme em relação a outros fatos ocorridos no passado: ele foi registrado fotograficamente, e essa rara foto, que serve de comprovação documental do fato, faz parte da coleção Imperatriz Teresa Cristina Maria, da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.


E quem foi esse pioneiro e visionário imigrante? foi o engenheiro agrônomo, músico e fotógrafo Albert Richard Dietze, que coincidentemente era prussiano, a mesma nacionalidade do alferes Pedro Guilhermino Meyer.


A sua propriedade estava localizada na Suíça leopoldinense, lugar que ganhou esse nome devido às seis famílias vindas do Cantão de Zurich que ali também se instalaram.


Nascido em Kaja, na Prússia, em 29 de dezembro de 1838, Albert Richard Dietze chegou ao Brasil em 1862, já formado em Agronomia em seu país. Veio para o Brasil atraído, muito provavelmente, pelas facilidades concedidas pelo governo imperial brasileiro para imigrantes como, por exemplo, adquirir lotes de terras devolutas nas colônias de imigração que estavam sendo fundadas no país. 


A sua propriedade onde foi instalada a academia de ginástica era chamada Estação Kaja, em homenagem à sua terra natal. Na realidade, como mostra o registro fotográfico feito pelo próprio Dietze, o ambiente reunia as várias atividades que esse prussiano desenvolvia.


A fotografia, datada de 1876, em cujo verso constam alguns detalhes, pode ser acessada em http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_iconografia/icon548569/icon548569.pdf

Ela mostra que o estabelecimento era identificado por três placas retangulares de madeira: em uma que havia na parte superior do imóvel, e que ocupava quase toda a extensão frontal, lê-se em enormes letras o nome Albert Richard Dietze, e em outra, colocada logo abaixo e em letras um pouco mais reduzidas, foi inserida a sua especialidade, e que era a sua atividade principal: Photographo; a terceira placa, que, na fotografia, está situada à direita da edificação e ao lado de uma das janelas, e que tem os dizeres grafados em alemão, Deutscher Turverein, que em português é Clube Desportivo Alemão, comprova a teoria de que ali funcionava uma academia de ginástica. 


O que comprova ainda mais esse pioneirismo de Santa Leopoldina na história da ginástica no Brasil e no mundo é que a fotografia nos dá a oportunidade de poder observar detalhes sobre essa inauguração, conforme descreve a escritora Almerinda da Silva Lopes , em seu livro “Albert Richard Dietze: um artista-fotografo alemão no Brasil do século XIX”, citando “vários homens praticando exercícios nos aparelhos mencionados, os quais se encontram distribuídos no espaço que vai do centro até a extremidade direita da imagem. Os três homens que estão ao centro da imagem registrada na fotografia se colocam em pé e na frente de um enorme e rústico cavalo de madeira, não muito elevado, o que o torna semelhante a um banco de madeira. Pelas posições eretas e cerimoniosas que os ginastas assumem, e pelas vestimentas que denotam elegância, parece se tratar da festa inaugural do empreendimento, até porque, o homem da direita segura, respeitosamente, o mastro de uma bandeira, enquanto um objeto, que lembra uma concertina ou acordeão, foi colocado sobre o cavalo, e de frente para o indivíduo da esquerda. Todos os homens usam um mesmo tipo de boné e aqueles que ocupam o lado direito da foto, se equilibram nas barras, fazendo acrobacias nas estruturas de madeira. Sobre uma dessas barras e numa parede lateral, notam-se mais dois letreiros, contornados por uma espécie de moldura, onde estão grafadas palavras ilegíveis, em razão da distância que se encontram da objetiva e do observador”.


Além de todo esse pioneirismo na área da ginástica, que levou a pequena comunidade de Suíça, encravada nas montanhas de Santa Leopoldina, a constar nos anais da história mundial da ginástica, Dietze é o autor do mais importante conjunto de imagens do Espírito Santo da segunda metade do século XIX. Além disso, foi atuante na liderança dos colonos da sua comunidade nas reinvindicações de melhores condições para a sobrevivência dos imigrantes que ali se instalaram. Essa liderança o projetou junto às autoridades, tendo sido alçado ao cargo de agente consular da região.


Albert Ricahrd Dietze, um visionário agrônomo, fotógrafo, músico, agricultor e exportador de café faleceu, em Santa Leopoldina, em 24 de agosto de 1906, de parada cardíaca. Mas, o seu pioneirismo e os seus feitos estarão para sempre marcados na história da fotografia e, também, na história da ginástica, como o homem que instalou a primeira academia de ginástica do Brasil.

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