COLUNA Adriano Lima Neves

O desconhecido Viaduto Scapardini

Por Adriano Lima Neves


O termo “desconhecido” é recorrente na história de Santa Leopoldina, principalmente para quem gosta de pesquisa e para quem procura conhecer melhor os fatos históricos relacionados à criação e à formação dessa simpática cidadezinha do interior do Espírito Santo. Esse desconhecimento está relacionado intimamente à ausência de registros oficiais das realizações de obras e serviços executados desde o século XIX em nosso município, que se perderam no tempo.

Apesar de existir um trabalho de preservação do patrimônio arquitetônico do sítio histórico de Santa Leopoldina, esse trabalho não contempla a pesquisa e o resgate de informações sobre obras públicas e privadas que já não existem fisicamente, e que necessitam de documentos que comprovem a sua existência e o seu valor histórico e cultural. 

A preservação documental sempre foi tratada com desleixo em nossa cidade e, se não fosse por iniciativas particulares de abnegados e apaixonados leopoldinenses como Luiz Holzmeister e Francisco Schwartz, os poucos registros de nossa história estariam perdidos para sempre, pois o poder público nunca fez muito bem esse papel.

Há muitos fatos importantes sobre Santa Leopoldina que são praticamente desconhecidos. Posso citar como exemplo o fato de que a nossa região seja comprovadamente a mais antiga ocupação humana do território espírito-santense, cuja datação é de 7000 anos AP. Mas esse é um outro assunto que poderei tratar futuramente.

Hoje o assunto que trago ao leitor de O Leopoldinense são os vestígios de uma ruína existente na localidade de nove horas, a poucos quilômetros do centro de Santa Leopoldina, que no passado era conhecida como Serra dos Freitas, em  alusão à família do nosso primeiro governador republicano, o leopoldinense Afonso Cláudio de Freitas Rosa. Esses vestígios de ruína me custaram dez anos de intensa pesquisa para descobrir que se tratava do primeiro viaduto rodoviário construído no Espírito Santo: o Viaduto Scapardini.

A sua construção, iniciada nos meados de 1917, é um dos itens que exemplifica o pioneirismo de Santa Leopoldina em relação ao desenvolvimento do interior do Espírito Santo, principalmente no final do século XIX e início do século passado. Foi a primeira e mais importante obra da fase inicial da construção da estrada que ligaria Santa Leopoldina a Santa Teresa, a rodovia Bernardino Monteiro, projetada pelo engenheiro Henrique de Novaes em novembro de 1916, com construção iniciada em 11 de março de 1917 e inaugurada em 12 de maio de 1919.

O nome do viaduto é uma homenagem ao representante oficial da Santa Sé e do Papa no Brasil, o Monsenhor Dom Jacinto Ângelo Scapardini, que visitou as obras da estrada em setembro de 1917, para dar ânimo espiritual aos trabalhadores, parte deles descendentes de italianos. Junto com o Monsenhor Dom Jacinto chegaram a Santa Leopoldina os dois primeiros caminhões Sauer que mais tarde inaugurariam o transporte rodoviário de sacas de café no nosso estado. Além de Santa Leopoldina, Dom Jacinto esteve em Santa Teresa no dia 25 de setembro de 1917 e no dia 26, com a Igreja Matriz lotada de moradores e suas famílias, dentre eles alguns operários da construção da estrada, celebrou uma missa em italiano.  Seu sermão na língua dos descendentes, filhos e imigrantes italianos foi motivo de grande emoção para os presentes. Nessa missa, o monsenhor Dom Jacinto conheceu e abençoou a imagem e o altar do Sagrado Coração de Jesus, que havia sido inaugurado no dia 06 de abril de 1917, cuja doação foi feita pelo casal José Reisen e Maria Avancini Reisen, uma das mais ricas famílias de Santa Leopoldina. Eles eram os avós da menina Maria Gilda, morta em 1923, cujo túmulo localizado no cemitério municipal de Santa Leopoldina até hoje é visitado por inúmeros fiéis, que lhe atribuem poderes milagrosos.

A importância da obra da estrada que ligaria Santa Leopoldina a Santa Teresa, a primeira a ser construída no Espírito Santo, explica a importante visita a essas duas cidades de um representante da Santa Sé no Brasil.

O Monsenhor Dom Angelo Jacinto Scapardini contava com 56 anos de idade quando fez essa visita. Era um homem forte, saudável, nascido em Miasino, Itália, e havia sido nomeado bispo em 29 de abril de 1909, pelo Papa Pio X.  Na América Latina, foi encarregado de um grande programa de reforma eclesiástica no Peru. Ele morreu em 18 de maio de 1937, com 75 anos.  

Devido às pouquíssimas informações sobre o viaduto Scapardini que chegaram até os nossos dias, posso apenas compartilhar com os leitores de O Leopoldinense que esse esquecido ícone da arquitetura de Santa Leopoldina tinha 22 metros de comprimento total, com duas sessões de 6 metros em cada vão; e que seu piso era formado por pranchões, com sua estrutura baseada sobre pilares de pedra. Essas são, infelizmente, as únicas informações que dez anos de pesquisa me trouxeram sobre o Viaduto Scapardini, o que, apesar de considerar muito pouco, me dão prazer em compartilhar com todos os leitores, e me motivam a acreditar que as pessoas possam se interessar em conhecer e visitar esse local histórico.

Espero sinceramente, que essa dificuldade que tive para pesquisar esse assunto, o que fica claro no meu texto, seja útil para que iniciemos um exercício reflexivo sobre a preservação documental no nosso município, em função das grandes facilidades que as novas tecnologias nos tem ofertado para esse fim. Usando dessas ferramentas, podemos pensar a preservação documental como um território amplo da construção de uma cultura preservacionista da riqueza histórica e cultural leopoldinense. História para isso temos...



Postar um comentário

1 Comentários

  1. Espetacular essa história, são as riquezas ocultas em nossa cidade.

    ResponderExcluir