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As grandes enchentes do rio Santa Maria da Vitória

Por Adriano Lima Neves
Canoa atendendo desabrigados na enchente de 1960.

Quando se fala em enchentes do rio Santa Maria da Vitória, além das mais recentes ocorridas em 2009, 2013 e 2019, a mais lembrada sem dúvidas é a de 1960. Mas, mesmo com a inexistência de registros oficiais que nos tragam informações mais precisas, sabe-se que várias outras enchentes ocorreram nesse importante e histórico rio capixaba ao longo da história. Essa é uma afirmação óbvia, afinal o rio Santa Maria da Vitória existe há pelo menos algumas centenas de milhares de anos, ou mais.

Mas o primeiro registro de grande enchente que a nossa redação pode levantar é do final de 1876, quando vários grupos de imigrantes ficaram retidos em Vitória até janeiro de 1877. Eram imigrantes que tinham a colônia de Santa Leopoldina como destino, mas que foram impedidos de subir o rio em função da grande enchente daquele verão, que impediu que as canoas fizessem as viagens até a capital. E as canoas que estavam no porto de Vitória não tinham qualquer chance de subir o rio, uma vez que as varas utilizadas como remos não conseguiam tocar o fundo do rio, e nem haveria capacidade física dos briosos canoeiros para vencer a correnteza.

Outro registro que merece ser citado é a grande enchente de fevereiro de 1885 que, além de arrancar os pranchões de madeira da Ponte do Nazareth, deixou algumas casas ameaçadas de desmoronamento. Como no século XIX as casas eram feitas em sua maioria de barro, muitas foram abaladas pela inundação e as que mais sofreram foram as casas do Sr. Eduardo Alberto e do Sr. Álvaro Coutinho. Nessa enchente, dois incidentes ficaram muito marcados na memória da população da época. O primeiro foi a condenação do imóvel onde funcionava a padaria do Sr. Teodoro Rudio, na esquina da atual rua José de Anchieta Fontana e a avenida Getúlio Vargas, que pouco tempo mais tarde teve que ser demolido e reconstruído.

Outro incidente causado por essa enchente de 1885 foi no dia 02 de fevereiro, quando naufragou a canoa de Luiz Smirdeli, causando um enorme prejuízo, com 90 sacas de café perdidas.
A grande escola Geral totalmente destruída pela enchente de 1922.

A grande enchente do rio Santa Maria da Vitória do início do século passado, e que mereceu maiores registros, foi a de 1922, que causou um prejuízo calculados em cerca de mil contos de réis. Nessa enchente foi perdido para sempre um dos grandes ícones da arquitetura de Santa Leopoldina, a grande Escola Geral, que havia sido construída há apenas dez anos, entre 1911 e 1912, na administração de Jerônimo Monteiro. Até hoje não se entende como um edifício tão suntuoso pode desaparecer completamente após uma enchente. O que se deduz é que os materiais usados na construção não levaram em conta a possibilidade de um alagamento por enchente, além do fato de que era usado apenas barro na edificação das paredes, sem a utilização de cimento. Uma pena.
As poltronas do cinema destruídas pela enchente de 1960.

Com exceção dos jovens com menos de trinta anos, qualquer morador de Santa Leopoldina se perguntado sobre a maior e mais falada enchente que já ocorreu no rio Santa Maria responderá que foi a ocorrida em 1960. Essa enchente realmente teve proporções bem maiores que as anteriores por dois motivos: o primeiro é que os prejuízos causados pelas enchentes até então eram limitados ao comércio de café, cujo transporte dependia da normalidade do nível do rio Santa Maria. E dessa vez todo o comércio e muitas residências sofreram com a enchente. O segundo é que o rio Santa Maria já havia entrado na era da produção de energia, e já contava com uma barragem que influenciava o seu fluxo. Além disso, havia mais construções na área de abrangência das cheias do rio, o que aumentou consideravelmente o número de pessoas atingidas.
Helicóptero que trouxe mantimentos, remédios, vacinas e água potável para os desabrigados da enchente de 1960.
O número de desabrigados foi tanto que um helicóptero da Força Aérea Brasileira se deslocou do Rio de Janeiro para atender as populações atingidas pelas enchentes em nossa região. E em Santa Leopoldina ele pousou na área que fica hoje atrás do ginásio de esportes, trazendo mantimentos, remédios, vacinas e até água potável, sendo a primeira vez que se viu uma aeronave pousar em Santa Leopoldina. Um fato pitoresco ocorrido nessa enchente é que foi convocada pelo Padre da cidade uma procissão para interceder aos santos providências para cessar as chuvas, e milagrosamente a chuva parou quase que imediatamente após a procissão. Isso foi notícia de jornal até no Rio de Janeiro.
Outra grande construção, a ponte que liga a rua Cesar Muller ao parque da Independência, coincidentemente com apenas 10 anos de existência, também foi destruída e levada pela força da forte correnteza do rio Santa Maria nessa enchente. Isso causou uma grande comoção na população, pois perceberam pela primeira vez que uma grande enchente era capaz de arrastar uma ponte. E a atual ponte Clarindo Lima já é a terceira obra construída naquele local.
A atual ponte Clarindo Lima quando foi destruída pela enchente de 1960.

A enchente de 1960 não causou prejuízos ao transporte fluvial no rio Santa Maria, pois essa atividade já havia cessado desde os anos 30. Os maiores prejuízos foram sentidos mesmo pelas pessoas que ficaram desabrigadas, pelas que adoeceram e por todos os moradores em geral, pois a cidade ficou isolada por quase trinta dias, afetando o abastecimento dos produtos mais básicos e de primeira necessidade, inclusive água potável.
Alguns comerciantes avaliando os prejuízos materiais causados pela enchente de 1960.

Há de se observar que as enchentes atuais são bem diferentes dessas narradas nessa reportagem. Há um prejuízo material muito maior do que no passado, em função do maior número de habitações construídas ao longo da calha do rio. Mas o tempo de permanência do alagamento é bem menor pois o que ocorre é uma enxurrada rápida, com o leito do rio atingindo rapidamente o seu ponto máximo de cheia e logo voltando ao normal. Isso se dá pela ausência de cobertura vegetal que no passado era abundante ao longo da bacia hidrográfica, e que hoje compromete a absorção da água pelo solo. No século passado o rio Santa Maria demorava até vinte dias para voltar ao seu leito normal após uma enchente e os donos das canoas ficavam semanas avaliando o nível do rio para poder autorizar a volta do transporte fluvial com segurança.
O volume de água do rio Santa Maria ainda acima do normal após enchente.

A história das enchentes nos mostra que a manutenção de um fluxo constante do rio Santa Maria depende de políticas que promovam a ordenada ocupação do solo urbano na sede da cidade e da aplicação das normas ambientais de proteção das matas ciliares e das florestas em geral. Essas são as ações que podem desacelerar o processo de degradação e morte do nosso histórico rio Santa Maria da Vitória.

Vídeo mostra moradores de Santa Leopoldina, cantando e tocando músicas de Natal para animar vítimas da enchente em 2013


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