O Centenário Cais 17 de Abril

O diminuto volume atual de água que fluiu lentamente no nosso histórico rio Santa Maria da Vitória e as suas sufocadas e assoreadas margens não mais conseguem convencer as novas gerações do quão volumoso e importante ele foi no passado. Mas um monumento que é o testemunho do período da riqueza que Santa Leopoldina viveu durante cerca de 60 anos, entre o final do século XIX e início do século XX, tempo que durou a intensa movimentação de cargas no Porto do Cachoeiro ainda existe. É o centenário cais 17 de abril, popularmente conhecido como bica de desembarque de café. 

Hoje é apenas um velho pedaço de concreto, esquecido, tomado pelo mato e praticamente ignorado pelas pessoas que passam diariamente sobre a Ponte Paulo Antônio Médice. Com exceção dos turistas, estudantes e pesquisadores que vem a Santa Leopoldina com o objetivo específico de conhecer a sua história, ninguém mais leva muito a sério aquela bica corroída pelo tempo.

Mas apesar do abandono, esse monumento jamais deixará de ser o Cais 17 de Abril, o mais importante ponto de embarque de café do Porto do Cachoeiro, que também já foi chamado de Nossa Senhora do Patrocínio, Cais do Imperador e Porto Real. Por ali, no auge do comércio e do transporte fluvial de café, passava quase metade da produção do Espírito Santo.

Embora existam alguns relatos de que houve outras tentativas de facilitar o trabalho de embarque de sacas de café e o desembarque das mercadorias que chegavam ao porto de Santa Leopoldina, o Cais 17 de Abril foi a única obra de iniciativa da Administração Pública que visou amenizar as dificuldades que a topografia do lugar causava aos carregadores, aos tropeiros e aos canoeiros. E isso dá ao Cais 17 de Abril um certo ineditismo na época, e até hoje não encontrei em minhas pesquisas uma estrutura de embarque similar a essa. O que se vê em outros antigos portos fluviais de embarque de café é uma rampa de subida, ou seja, o café era carregado de um local mais baixo para dentro dos barcos e navios. Mas o pioneirismo está sempre presente na história de Santa Leopoldina, e esse cais é o único que conheço em que as sacas saiam de um local mais alto e escorregavam através de uma estrutura até as canoas.

A importância desse pedaço de concreto que está ali há cem anos resistindo ao tempo, às inúmeras enchentes e ao descaso da própria população de Santa Leopoldina é maior, ou pelo menos era maior do que podemos imaginar. 

A sua inauguração, em 13 de maio de 1920, portanto fez 100 anos agora no início do ano, contou com a presença do representante do Governo do Estado, o Capitão Gastão Americano e as mais altas autoridades do município. Esse evento foi tão importante que seis carros foram enviados até a estação Alfredo Maia para buscar as autoridades que iriam participar da festa. Naquela época, vinha-se de trem de Vitória até a estação Alfredo Maia e o restante do caminho era feito a cavalo até Santa Leopoldina. Mas os ricos comerciantes colocaram seus automóveis à disposição para buscar essas autoridades. Um dos carros, que eu nunca consegui identificar, foi emprestado pelo ex-prefeito Duarte Amarante. Um outro, identificado como um Studebaker, foi emprestado pelo negociante de café José Reisen, uma das maiores fortunas do estado naquela época. A Viação Geral, empresa de Santa Leopoldina que explorava o transporte para Santa Teresa, emprestou um de seus carros Benz para ajudar no transporte das autoridades. E o Engenheiro André Carloni, a primeira pessoa no Espírito Santo a ter um automóvel, emprestou três automóveis Ford de sua coleção.

E após a visita das autoridades ao Cais 17 de Abril, o famoso corte da fita e tudo mais, às onze horas o Prefeito Otávio Indio do Brasil Peixoto e o Coronel Francisco Alfredo Vervloet, Presidente da Câmara, ofereceram um almoço de 20 talheres na varanda do imponente Hotel Central, que hoje é a residência da família Leppaus, de onde todos puderam brindar e apreciar a nova obra inaugurada. E mesmo após toda essa pompa de inauguração, o seu funcionamento pleno durou pouco mais de uma década, pois a crise de 1929 e o declínio do transporte fluvial o aposentaram ainda jovem.  

Mas esse pioneiro facilitador da vida dos trabalhadores do Porto do Cachoeiro e dos canoeiros do rio Santa Maria da Vitória, o nosso cais 17 de Abril, ainda resiste e está ali, solitário à beira do rio Santa Maria, clamando por uma obra de revitalização ou que pelo menos a sua importância para a história de Santa Leopoldina e do estado do Espírito Santo seja conhecida das novas gerações


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